quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CHOCOLATE E OS BENEFÍCIOS CARDIOVASCULARES

Resumo

Os hábitos alimentares apresentam-se como marcadores de risco para doenças cardiovasculares, na medida em que o consumo elevado de colesterol, lipídios e ácidos graxos saturados somados ao baixo consumo de fibras, participam na etiologia das dislipidemias, obesidade, diabetes e hipertensão. Recentes pesquisas têm apresentado uma relação inversamente proporcional entre doenças cardíacas e o consumo de alimentos como chás, soja e seus derivados, uva e vinho tinto, e mais recentemente o cacau e o chocolate. Estes alimentos têm em comum o fato de serem ricos em flavonóides, substâncias responsáveis por efeitos cardioprotetores. Nesta revisão, foram inseridas publicações envolvendo como intervenção: cacau, chocolate amargo ou flavonóides, utilizando como palavras chaves: cacao, cocoa, chocolate, dark chocolate, vascular health, hypertension tendo como base de dados o Medline publicados entre 1997 a 2011. O cacau-chocolate tem mostrado, segundo pesquisas recentes, exercer um efeito benéfico sobre a saúde cardiovascular. Este efeito pode ser exercido de diversas maneiras: melhorando função plaquetária e sensibilidade à insulina, controlando pressão arterial, reduzindo agregação plaquetária e atuando no sistema antioxidante. Assim, o cacau-chocolate poderia ser utilizado como um adjuvante na dietoterapia das doenças cardiovasculares.

Descritores: Cacau; Chocolate; Flavonoides; Doenças cardiovasculares.


Abstract

Dietary habits are presented as risk markers for cardiovascular disease to the extent that high intakes of cholesterol, lipids and saturated fatty acids added to low-fiber participate in the etiology of dyslipidemia, obesity, diabetes and hypertension. Recent studies have shown an inverse relationship between heart disease and consumption of foods like tea, soy and its derivatives, grape and red wine, and more recently cocoa and chocolate. These foods have in common that they are rich in flavonoids, substances responsible for cardioprotective effects. In this review, we included the following terms as intervention involving publications: cocoa, dark chocolate or flavonoid, using as keywords: cacao, cocoa, chocolate, dark chocolate and vascular health, hypertension on the basis of Medline published from 1997 to 2011. According to recent surveys, the cocoa-chocolate has shown a beneficial effect on cardiovascular health. This effect can be exercised in several ways by improving platelet function and insulin sensitivity, controlling blood pressure, reducing platelet aggregation and acting on the antioxidant system. Thus, the cocoa-chocolate could be used as a dietary adjunct in the treatment of cardiovascular diseases.

Keywords: Cocoa; Chocolate; Flavonoids; Cardiovascular diseasesds; Cardiovascular diseases.

INTRODUÇÃO

Os hábitos alimentares apresentam-se como marcadores de risco para doenças cardiovasculares, na medida em que o consumo elevado de colesterol, lipídios e ácidos graxos saturados somados ao baixo consumo de fibras, participam na etiologia das dislipidemias, obesidade, diabetes e hipertensão1. Recentes pesquisas têm apresentado uma relação inversamente proporcional entre doenças cardíacas e o consumo de alimentos como chás, soja e seus derivados, uva e vinho tinto, e mais recentemente o cacau e o chocolate. Estes alimentos têm em comum o fato de serem ricos em flavonóides, substâncias responsáveis por efeitos cardioprotetores2-4.

Metodologia 

Foram inseridas no artigo revisões sistemáticas, narrativas, ensaios clínicos randomizados, ensaios in vitro envolvendo como intervenção: cacau, chocolate amargo ou flavonóides, utilizando como palavras chaves: cacao, cocoa, chocolate, dark chocolate, vascular health, hypertension tendo como base de dados o Medline publicados entre 1997 a 2011. Um total de 29 publicações foram selecionadas.

Chocolate e polifenóis 

O chocolate é um produto oriundo do processamento das sementes do cacau. Considerado atualmente uma das grandes fontes alimentares de polifenóis, contribuindo significativamente na dieta para a ingestão destes potentes compostos antioxidantes. De acordo com um estudo publicado em 2003, o chocolate é um dos produtos mais consumidos no Brasil e no mundo5.

A fabricação do chocolate se inicia com o processamento das sementes de cacau. A cultura do cacau é considerada artesanal, pois necessita de mão de obra ao longo de toda sua produção. O processamento das sementes passa por três principais etapas: colheita, fermentação e secagem.

Cada semente contém uma quantidade significativa de gordura (40-50% de manteiga de cacau) e polifenóis, que compõem cerca de 10% do peso seco do grão inteiro (as concentrações de epicatequina do grão recém-colhido variam entre de 21,89 - 43,27 mg / g de matéria seca quando avaliadas as amostras desengorduradas).

O ácido oleico, gordura monoinsaturada, constitui cerca de 33% da composição da manteiga de cacau. Outros 33%, compõem-se de ácido esteárico que, embora saturado, é metabolizado no corpo humano em ácido oléico e, por isso teria um efeito neutro nos níveis de colesterol sérico. Em contrapartida, o chocolate possui, ainda, uma proporção de gordura saturada sob a forma de ácido palmítico3.

Os polifenóis são micronutrientes presentes nos alimentos de origem vegetal, sendo o chocolate uma boa fonte. Estas substâncias estão presentes nas plantas como um sistema de defesa destas às agressões como ataque de pragas e radiação ultravioleta, constituindo uma linha de defesa do vegetal6.

Os flavonóides pertencem a uma classe de polifenóis que apresentam uma estrutura química básica comum com dois anéis aromáticos que são ligados por três átomos de carbono que formam um heterociclo oxigenado. No entanto, podem ainda ser divididos em subclasses, de acordo com grau de oxidação do oxigênio heterocíclico em: flavonóis, flavonas, isoflavonas, flavanonas, antocianidinas e flavanóis6.

Entre os flavonóides presentes no cacau/chocolate destaca-se a subclasse flavan-3-óis ou flavanóis, incluindo as formas monoméricas de epicatequina e catequina, junto com os oligômeros procianidinas (construídos a partir destes monômeros7.

Independentemente do processo de fabricação aplicado e matéria-prima utilizada para produzir o chocolate, o flavanol é o flavonóide mais abundante presente no chocolate, além de ser um dos alimentos fontes deste flavonóide, como observado no Quadro1.




Em particular, o chocolate ao leite apresenta uma concentração de flavanol menor que o cacau em pó e que o chocolate amargo.8 Isto se explica, pois o percentual de cacau envolvido no preparo dos diferentes tipos de chocolate, não é igual. O chocolate branco, que em algumas literaturas nem é considerado como chocolate, contém aproximadamente 4% de cacau (só possui na sua composição a manteiga do cacau); o chocolate ao leite contém aproximadamente 30% de cacau; o chocolate meio amargo, 41% de cacau e o chocolate amargo, com percentual de cacau elevado, contêm 70% ou mais de cacau (www.hersheys.com.br).

O cacau em pó apresenta cerca de dez por cento do seu peso composto de flavonóides. Já o seu subproduto, o chocolate amargo, apresenta em sua composição 53,5 mg de catequina em 100g de chocolate, ao passo que o chocolate ao leite apresenta 15,9 mg / 100g 9.

As procianidinas também chamadas de taninos condensados são dímeros, oligômeros e polímeros de catequinas que são unidas por ligações entre C4 e C8 (ou C6). Os quais podem formar complexos com as proteínas salivares, sendo responsáveis pela adstringência de certas frutas e pelo sabor amargo do cacau6.

Em humanos, os flavonóis, apresentam boa estabilidade e tolerância ao pH ácido do estômago, alcançando o intestino delgado onde será absorvido. Apresentam um pico plasmático de concentração em 2 a 3 horas após a ingestão de maneira dose- dependente permanecendo mensurável em até 8 horas após a sua ingestão. Associado a isto, aumentam também a capacidade antioxidante do plasma10,11.

No entanto, estes efeitos podem ser, marcadamente, reduzidos quando o cacau é consumido com leite ou se o cacau é ingerido como chocolate ao leite, no entanto, este achado é bastante controverso12,13. Isto se deve ao fato de ocorrer uma interação direta entre o polifenol e a estrutura alimentar, como as proteínas do leite, o que pode impedir a absorção do polifenol.

Portanto, como a meia-vida dos flavanóis dura cerca de duas horas, recomenda-se o consumo de alimentos fontes destes polifenóis de forma regular e frequente para manter alta e constante sua concentração sanguínea14.

Chocolate e saúde cardiovascular

O cacau, dos alimentos ricos em flavonóides, é o que apresenta maior capacidade antioxidante e teor de flavonóides, quando comparado aos chás e ao vinho tinto15. Por isso, a importância de se estudar os benefícios do chocolate, um produto altamente palatável e consumido, derivado do cacau, na saúde cardiovascular.

Desde a antiguidade, as sementes de cacau já eram utilizadas de forma terapêutica pelos maias e astecas, como estimulante, pomada analgésica, bebida energética, consumida pelos guerreiros antes das batalhas. Os incas consideravam a bebida à base de cacau, como uma bebida dos deuses, uma associação que deu origem ao nome científico do cacaueiro, Theobroma cacao, das palavras gregastheo (Deus) e broma (bebida)3.

A primeira indicação do uso terapêutico do cacau data de 1600 aC. Já as primeiras evidências epidemiológicas com relação ao efeito do cacau foram observadas nos índios kuna, uma população nativa de ilhas da costa do Panamá. Os índios desta região apresentam baixa incidência de HAS, apesar do envelhecimento. Interessantemente, estes índios consomem diariamente grandes quantidades de cacau, apesar de apresentarem uma dieta rica em sal (cloreto de sódio). Além disso, apresentam menor taxa de mortalidade por doença cardiovascular, quando comparados com outros cidadãos pan-americanos. Os fatores envolvidos são claramente ambientais, mais do que fatores genéticos, pois os índios que migraram para a parte urbana da cidade do Panamá perderam esta proteção, pois consomem menos cacau, em troca de outros alimentos com menor teor de flavonóides16.

Um estudo prospectivo com mulheres no período da menopausa, sem diagnóstico de doenças cardiovasculares (Iowa Women's Health Study), com 16 anos de seguimento, mostrou redução do risco de morte por doenças cardiovasculares associado ao alto consumo de alimentos ricos em flavonóides17.

No Zutphen Elderly Study, realizado na Holanda, envolvendo homens idosos, saudáveis, mostrou-se redução da mortalidade por doença cardiovascular e por todas as outras causas no grupo com maior ingestão de cacau18.

O chocolate tem mostrado, segundo pesquisas recentes, exercer um efeito benéfico sobre a saúde cardiovascular. Este efeito pode ser exercido de diversas maneiras: melhorando função plaquetária e sensibilidade à insulina, controlando pressão arterial, reduzindo agregação plaquetária e atuando no sistema antioxidante 3,19-21(Fig.1).


Figura 1: Efeitos relevantes à saúde proporcionados pelas epicatequinas.



No que diz respeito ao endotélio, pesquisas mostram que os polifenóis do chocolate, mais precisamente a epicatequina, seriam capazes de estimular a óxido nítrico-sintase endotelial (e-NOS), com consequente aumento da liberação de óxido nítrico (NO). Além de, in vitro, ter mostrado ser capaz também de inibir atividade da enzima arginase, levando à maior disponibilidade de arginina, que é um aminoácido precursor da síntese de NO. Uma vez que a disponibilidade de NO é aumentada, ocorrerá uma tendência à vasodilatação22.

A atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) também tem sido motivo de investigação, por poder ser inibida diretamente por estes polifenóis. Esta enzima está envolvida no controle da pressão arterial, atuando na conversão de angiotensina I em angiotensina II, um potente peptídeo vasopressor23.

Evidências experimentais, tanto in vivo quanto in vitro, vêm mostrando que os flavonóides e os alimentos ricos em flavanóis, podem potencialmente reduzir pressão arterial, pelos mecanismos explicados acima.

O efeito dos alimentos fontes de flavanóis, especialmente o cacau e seus derivados como o chocolate, na produção de óxido nítrico e na pressão arterial foi avaliado numa revisão publicada no ano corrente e mostrou que estes alimentos têm reduzido pressão arterial tanto em humanos quanto em animais e este efeito poderia estar relacionado à manutenção de níveis ótimos de óxido nítrico e com a redução da produção de ânion superóxido na parede vascular24.

No quadro abaixo, estão listados alguns estudos realizados com chocolate e seus resultados (Quadro.2). No entanto, apesar de ser um alimento que vem despertando interesse científico por seu efeito na pressão arterial e na saúde cardiovascular de um modo geral, seu consumo deve ser recomendado com cautela, pois além de veicular os flavonóides, responsáveis por seus efeitos benéficos, também veicula uma grande quantidade de energia, o que poderia contribuir para o ganho de peso.




Além disso, o tipo de chocolate avaliado nos estudos que demonstraram efeitos positivos na saúde cardiovascular são os que apresentam um percentual de cacau mais elevado, e a quantidade a ser recomendada ainda não está bem estabelecida, os estudos variam muito em torno de 6g a 100g de chocolate por dia.


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