O
tratamento tradicional da esclerose múltipla é feito com o medicamento
Interferon e corticosteroides, além de fisioterapia e fonoaudiologia, e
os resultados apontam para a redução em 30% das crises da doença. Porém,
estudos publicados em revistas científicas internacionais indicam que a
chave para o problema é a vitamina D. No Brasil, o maior defensor da
inovação terapêutica é o neurologista Cícero Galli Coimbra, professor da
Universidade Federal de São Paulo. “A vitamina D, daqui a alguns anos,
será a base do tratamento não só da esclerose múltipla, mas de todas as
doenças autoimunitárias”, prevê o especialista.
“Nas
células do sistema imunológico, a vitamina D tem a função de produzir o
que se chama de tolerância imunológica, ou seja, de impedir que essas
células agridam o próprio organismo, que é o que acontece nas doenças
autoimunitárias”, explica Coimbra. Nas pessoas com pré-disposição
genética para doenças autoimunitárias, a transformação da vitamina D
inativa em ativa (hidroxilase) dentro das células do sistema imunológico
é lenta, o que favorece o surgimento desse tipo de doença. “Hoje, já se
sabe que o risco de esclerose múltipla aumenta quando se têm níveis
baixos de vitamina D. O que propomos é a elevação dos níveis de vitamina
D ao ponto máximo que não provoque efeitos tóxicos ao organismo. O
sucesso do tratamento com
vitamina D vem sendo demonstrado e a única dúvida que resta é quanto aos
níveis que se devem atingir para que se obtenha o efeito ideal”,
esclarece.
O
benefício da vitamina D fica ainda mais nítido, diz Coimbra, se
observarmos que os casos de esclerose múltipla são muito mais frequentes
nos países nórdicos, como as nações escandinavas e o Canadá, onde a
exposição da população aos raios solares é muito baixa. O sol, como se
sabe, é a principal fonte de vitamina D com a qual contamos. “A radiação
solar da manhã e do final da tarde faz com que o nosso organismo
produza vitamina D. Uma pessoa que fique na beira da piscina de sunga,
com 90% do corpo exposto ao sol por apenas 10 minutos, produz mais
vitamina D do que a contida na dose diária normalmente recomendada pelo
médicos. Mas atenção: o mesmo não acontece com o sol do meio-dia, que
provoca câncer de pele”, orienta o médico.
A
esclerose múltipla, bem como as outras doenças do sistema imunológico, é
um mal dos tempos modernos – e isso também tem a ver com o sol. Nossos
antepassados sofriam muito menos com isso. “Nossos avós tinham uma vida
na lavoura, iam à feira livre fazer compras. Hoje, nós pegamos o metrô,
descemos num shopping center, entramos num carro com Insulfim, descemos
na garagem de um prédio e subimos de elevador. Como toda doença
autoimunitária, a esclerose múltipla aumentou muito nos dias atuais.
Nosso nível de exposição solar é hoje quase o mesmo que o dos ratos de
laboratório”, adverte Cícero Coimbra.
O
especialista da Unifesp salienta que a vitamina D com fins terapêuticos
deve ser consumida sob rigorosa orientação médica, pois os níveis
necessários para a eficácia do tratamento são muito mais altos do que os
que se encontram nos produtos vendidos em farmácias. “Não se consegue
administrar doses que tenham efeito terapêutico apenas com os produtos à
venda nas drogarias. Para efetuarmos o tratamento, ainda dependemos de
formulações feitas em farmácias de manipulação”, sublinha.
Segundo
Coimbra, a resistência à adoção definitiva da vitamina D no tratamento
de doenças autoimunitárias deve-se ao lobby da indústria farmacêutica,
que se sobrepõe aos estudos científicos. “O nosso grande problema é que
esse conhecimento, que consta de revistas científicas internacionais,
ainda não está incorporado ao armamento terapêutico do médico
neurologista comum, que fica atento quase que exclusivamente aos
lançamentos dos laboratórios. Mas a verdade é que o tratamento
tradicional, basicamente com Interferon, está sendo superado e, na minha
ótica, daqui a alguns anos o tratamento de todas as doenças
autoimunitárias envolverá a elevação dos níveis de vitamina D ao máximo
possível, sem a ocorrência de efeitos colaterais, como muitos casos já
demonstram. Trata-se do restabelecimento de um mecanismo que a própria
natureza do ser humano criou ao longo da evolução da espécie, justamente
com o objetivo de impedir a agressão do organismo pelo sistema
imunológico”, desabafa.
Mulheres jovens e estresse
As
mulheres adultas jovens são as principais vítimas da esclerose
múltipla, doença que decorre da predisposição genética à baixa
hidroxilase, isto é, ao baixo índice de transformação da vitamina D
inativa em ativa, o que faz com que as células do sistema imunológico
ataquem o sistema nervoso central ao invés de agredirem vírus e
bactérias. Esses ataques ocorrem de modo intermitente, daí os surtos que
caracterizam a doença. A ciência já comprovou que o estresse emocional é
o principal fator desencadeador dessas crises. “Em 2002, um estudo
muito ilustrativo, que acompanhou pessoas portadoras de doenças
autoimunitárias, verificou que 85% dos surtos estavam associados a
eventos estressantes. Em média, esses eventos haviam ocorrido 14 dias
antes da exacerbação dos sintomas da doença, ou seja, antes de um novo
ataque do sistema imunológico”, relata Cícero Coimbra.
No
passado, como os sintomas são variados e acometem diversas áreas do
corpo, os portadores de esclerose múltipla eram confundidos com
indivíduos em crise de histeria. “É a multiplicidade de lesões no
sistema nervoso que caracteriza a doença, daí o termo ‘múltipla’”, diz o
neurologista. “Na esclerose múltipla, o neurologista não consegue
explicar todos os sintomas por meio de uma única lesão no sistema
nervoso. Por isso, o que leva ao diagnóstico são sintomas que só são
explicados por lesões em diferentes áreas do sistema nervoso, como na
medula espinhal e no nervo ótico”. O
diagnóstico da doença só se fecha após a combinação dos resultados de
exames de ressonância magnética, do líquor encéfalorraquidiano e de
análise das manifestações clínicas.
O
acumulo de sequelas deixadas por cada um dos surtos é o que agrava o
quadro do paciente. “Com o aumento da frequência dos surtos a pessoa vai
adquirindo sequelas cumulativas que comprometem sua capacidade de
andar, de falar. Ela pode evoluir para uma situação de dependência de
uma cadeira de rodas e até ficar completamente cega”, ressalta Coimbra. E
vai além: “Se não se corrigirem os níveis de vitamina D, a tendência é
que, mesmo com o uso de Interferon, a pessoa vá acumulando surtos cada
vez mais frequentes e sequelas. Com o tempo, perde-se o controle da
bexiga, o que provoca infecções urinárias – e infecções também fazem com
que ocorram novos surtos. A partir de então, o doente passa a ficar
permanentemente acamado, situação que favorece problemas como
broncopneumonia e outros”.
O
avanço definitivo no tratamento da esclerose múltipla, aposta o
neurologista Cícero Galli Coimbra, ainda deve tardar alguns anos, mas
com certeza virá quando forem ultrapassadas as barreiras que impedem a
disseminação do uso da vitamina D. “Podemos até esperar algumas décadas,
mas com certeza isso irá ocorrer”, acredita. E faz um alerta muito
sério: “Cuidado com certos remédios que vêm sendo lançados no mercado,
os chamados agentes biológicos para tratamento de doenças
autoimunitárias, que são anticorpos produzidos em outros animais.
Trata-se de drogas caríssimas e que colocam em risco a vida da pessoa,
pois podem provocar um choque anafilático, ou então o efeito depressor
do sistema imunológico, de tão acentuado, pode causar uma infecção grave
por um germe oportunista”.
*Matéria publicada originalmente no Jornal do Advogado, edição de maio de 2010.
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