Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto
Serviço de Fisiologia
T
ERMORREGULAÇÃO
Texto de Apoio
Dra. Sónia Magalhães
Dr. Roberto Roncon Albuquerque
Dr. Jorge Correia Pinto
Prof. Doutor Adelino Leite Moreira
Porto, Ano Lectivo 2001 / 02
2
ÍNDICE
I
NTRODUÇÃO
Página 3
C
ONCEITO DE
T
ERMOGÉNESE
Página 4
M
ECANISMOS
F
ÍSICOS DE
T
RANSFERÊNCIA DE
C
ALOR
Página 4
M
ECANISMOS
F
ISIOLÓGICOS DE
T
RANSFERÊNCIA DE
C
ALOR
Página 5
R
EGULAÇÃO DA
T
EMPERATURA
C
ORPORAL
Página 8
L
IMITES
E
XTREMOS DE
T
EMPERATURAS
T
OLERÁVEIS
Página 11
D
ISTÚRBIOS DA
R
EGULAÇÃO
T
ÉRMICA
Página 11
T
RATAMENTO
Página 17
B
IBLIOGRAFIA
Página 20
3
I
I
N
N
T
T
R
R
O
O
D
D
U
U
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
O ser humano é um ser
homeotérmico
, isto é, possui a capacidade de manter a temperatura corporal
dentro de um certo intervalo pré-determinado apesar das variações térmicas do meio ambiente
(
homeostasia térmica
).
Temperatura de equilíbrio: 37ºC (98.6ºF
1
) [
Limites normais: 36.1º - 37.2ºC (97º - 99ºF)]
A variação térmica circadiana é um fenómeno natural e geralmente não ultrapassa os 0.6ºC (1ºF). A
temperatura corporal é menor pela manhã, aumenta ao longo do dia e é máxima pelo início da noite.
O equilíbrio térmico é conseguido através do balanço entre a perda e a produção ou aquisição de calor.
Seguidamente serão abordados os mecanismos físicos e fisiológicos que contribuem para este equilíbrio.
C
C
O
O
N
N
C
C
E
E
I
I
T
T
O
O
D
D
E
E
T
T
E
E
R
R
M
M
O
O
G
G
É
É
N
N
E
E
S
S
E
E
A
termogénese
corresponde à energia na forma de calor gerada ao nível dos tecidos vivos. A quantidade
de calor produzida é
directamente proporcional à taxa de metabolismo corporal
(40-60% da energia
proveniente da hidrólise do trifosfato de adenosina – ATP, é perdido sob a forma de calor).
A taxa de metabolismo corporal depende dos seguintes factores:
1.
Taxa de metabolismo
basal
2
de todas as células corporais (para cada aumento da temperatura no
valor de 1ºF ou 0.6ºC, esta taxa aumenta aproximadamente 10%);
2.
Taxa de metabolismo adicional decorrente da
actividade muscular
;
3.
Taxa de metabolismo adicional secundário ao efeito da
Tiroxina
(e em menor grau por outras
hormonas como a hormona de crescimento ou a testosterona) a nível celular:
1
Fórmulas de conversão
: Temperatura em ºC = temperatura em K (Kelvin) – 273,15
Temperatura em ºC = 5/9
×
[
temperatura em F (Fahrenheit) -32
]
Temperatura
rectal (ºC)
37,5
37
36,5
12h
18h
0h
6h
12h
Hora do dia
4
4.
Taxa de metabolismo adicional causada pelo efeito da
epinefrina, norepinefrina e pela
estimulação simpática
a nível celular;
5.
Taxa de metabolismo adicional por
um aumento intrínseco da actividade química
nas próprias
células.
A contribuição de cada um destes factores para a taxa de metabolismo corporal varia ao longo do
tempo.
Por exemplo se compararmos uma situação de repouso com uma situação de exercício físico,
verificamos que na primeira situação a termogénese é decorrente essencialmente do metabolismo basal
enquanto que na segunda deriva principalmente da actividade muscular.
MECANISMOS FÍSICOS DE TRANSFERÊNCIA DE CALOR
A energia térmica pode ser absorvida a partir do meio externo ou dissipada para o mesmo (conforme o
gradiente térmico). Os principais mecanismos implicados são a radiação, a condução e a convecção.
Radiação
A radiação corresponde à
emissão de calor sob a forma de ondas electromagnéticas
, mais
precisamente, ondas infravermelhas (comprimento de onda de 5-20
μ
m, isto é, 10-30 vezes o
comprimentos dos raios luminosos). Este processo físico ocorre a partir de qualquer matéria desde que a
sua temperatura não seja o zero absoluto
3
, e o grau de radiação depende da matéria em causa (por
exemplo, o ar tem uma capacidade de radiação muito reduzida).
Se a temperatura do corpo de um ser humano for superior à temperatura do meio externo, uma maior
quantidade de calor irá irradiar a partir do corpo do que irá ser irradiada para o corpo, isto é, ocorre perda
de calor por parte do organismo.
Condução
A condução é um
mecanismo de transferência directa de calor
. O calor é a
energia cinética do
movimento molecular
e pode ser transferido de umas moléculas para outras, é neste processo que
consiste a condução.
Exemplificando, as moléculas da pele estão em constante movimento vibratório e a energia cinética deste
movimento pode ser transmitida ao ar, que se for mais frio, aumenta a velocidade das moleculares
presentes no ar até que seja atingido um estado de equilíbrio.
2
Taxa de metabolismo basal
: quantidade de calor produzida no estado de repouso em presença de um
ambiente térmico neutro onde nenhuma transferência de calor ocorre entre o organismo e o meio
ambiente.
3
Zero absoluto – definido como 0 K (mínimo de temperatura possível), corresponde a –273,15 ºC.
5
A pele e os tecidos subcutâneos têm uma função isolante natural, sendo que a camada adiposa conduz o
calor com uma velocidade equivalente a
1
/
3
da dos outros tecidos.
Convecção
Pelo que foi descrito acima, percebe-se que a condução é um mecanismo auto-limitado (existe apenas até
ao momento em que as moléculas possuam uma energia cinética equivalente), contudo se o ar adjacente
ao corpo for removido e substituído por um ar “novo”, o equilíbrio jamais será atingido –
a transferência
de calor pelo meio de correntes de ar é chamada de convecção
4
. Quanto maior a velocidade das
correntes de ar (maior renovação do ar adjacente ao corpo), maior a amplitude da transferência de calor.
Este processo é semelhante na situação de o organismo estar submergido em água, com a diferença que a
água possui uma maior capacidade de absorção e condução para o calor (perda de calor muito mais
rápida).
O vestuário
minimiza as perdas de calor por condução e convecção ao permitir a criação de uma camada
de ar, não renovada, junto à superfície corporal. Contudo, esta capacidade perde-se quando as roupas se
tornam molhadas ou húmidas (por exemplo em roupa suada), devido à elevada condutibilidade da água
que aumenta a taxa de transferência de calor através da roupa em 20 vezes ou mais.
Em situações usuais, os mecanismos físicos atrás citados promovem perda de calor pelo corpo, dado que
geralmente a temperatura ambiente é inferior à temperatura corporal
(a contribuição de cada um dos
processos físicos para a perda de calor está ilustrada na figura 1).
Contudo em situações em que a temperatura ambiente seja superior a 37ºC, por exemplo, numa sauna
(temperatura ambiente ~70 ºC) verifica-se uma inversão destes mecanismos com ganho de calor pelo
organismo através dos mesmos processos físicos.
Figura 1.
Mecanismos de perda de calor e sua contribuição
relativa num ambiente neutro para a dissipação de calor.
4
Nota-se que vulgarmente o organismo cria correntes de convecção em sua volta, uma vez que o ar
quente tem menor densidade que o ar frio e por isso sobe, afastando-se do organismo.
Paredes
Evaporação (22%)
Condução para
objectos (3%)
Radiação (60%)
Condução para o ar (15%)
Correntes de ar
(convecção)
6
MECANISMOS FISIOLÓGICOS DE TRANSFERÊNCIA DE CALOR
Controlo Vasomotor
Transmissão de Calor Corporal Central para a Pele
A
pele e as extremidades
, contrariamente ao que acontece ao nível das regiões corporais mais profundas
(região corporal central), têm
maior variação de amplitude térmica.
O tecido celular adiposo tem função isolante natural (baixa condução de calor), e separa a pele (região
mais sensível às variações térmicas externas) da região corporal central (temperatura mais estável).
O fluxo sanguíneo cutâneo estabelece ligação entre a pele e a região corporal central.
A irrigação cutânea é composta por um sistema complexo de ramificações vasculares, do qual fazem
parte plexos venosos, arteríolas e anastomoses
arteriovenosas (essencialmente presentes ao nível
de áreas expostas como os pés, as mãos, o nariz e
os pavilhões auriculares). O plexo venoso
subcutâneo é abastecido pelas arteríolas e
anastomoses arteriovenosas (figura 2), de forma
que o fluxo de sangue subcutâneo irá variar
conforme o maior ou menor grau de vasoconstrição
destas últimas. A modulação do tónus arterial
depende preponderantemente do
sistema nervoso
simpático
.
Dessa forma, o maior ou menor aporte sanguíneo medeia o fluxo de calor interno para a pele, a partir da
qual o calor pode ser posteriormente dissipado para o meio ambiente.
A condução de calor ao passar de
um estado de vasoconstrição total para vasodilatação total aumenta cerca de 8 vezes
. Poderá então dizer-
se que
a pele funciona como um sistema de radiação de calor controlado
.
Mecanismo de evaporação
A evaporação consiste na perda de calor que acompanha a vaporização de um líquido a partir da
superfície corporal
(dissipação de calor a uma taxa de 0,58 Kcal/g de líquido evaporado).
Com temperaturas ambientes superiores a 36ºC, a evaporação é o mecanismo exclusivo de perda de
calor,
dado que nessa situação a radiação, a condução e a convecção são ineficientes ou até promovem o
ganho adicional de calor.
Em situações térmicas neutras (sem ganho nem perda de calor), ocorrem
perdas insensíveis
(sem
possibilidade de controlo) de água por difusão contínua através da pele e dos pulmões – chama-se a este
Figura 2
Epiderme
Capilares
Derme
Artérias
Veias
Plexo venoso
Tecido subcutâneo
Artéria
Anastomose
arteriovenosa
7
fenómeno
perspiração
5
. A perda insensível de água é de 450-600 ml/dia o que equivale a
aproximadamente 12-16 Kcal por hora.
A
sudorese,
acto de produzir e libertar suor,
inicia-se quando a temperatura corporal central é
superior a 37ºC (98.6ºF). A quantidade de sudorese é modulada pela estimulação das glândulas
sudoríparas por
nervos colinérgicos simpáticos
6
e por vezes também, em situações de exercício ou
stress, por concentrações elevadas de epinefrina e norepinefrina.
A composição da secreção precursora do suor é similar ao plasma excepto pela ausência de proteínas
plasmáticas: a concentração de sódio é de 142 mEq/L e de cloro de 104 mEq/L, com muito menores
concentrações dos outros solutos do plasma. À medida que esta solução precursora flui através da porção
ductal da glândula sudorípara, ocorre reabsorção da maior parte dos iões de sódio e cloro. O grau de
reabsorção é inversamente proporcional à taxa de produção de suor.
Quanto menor a taxa de produção, mais lentamente
a secreção precursora percorre a porção ductal,
verificando-se uma maior reabsorção dos iões, cuja
concentração pode atingir 5 mEq/l.
De modo oposto, uma estimulação acentuada das
glândulas sudoríparas pelos terminais colinérgicos
numa pessoa não aclimatizada, leva a uma grande
produção de secreção precursora com menor
capacidade de absorção iónica ductal, podendo
verificar-se uma concentração iónica no suor de
cerca de 50 a 60 mEq/l.
Aclimatização do mecanismo de sudorese
Corresponde ao mecanismo fisiológico adaptativo
decorrente da exposição persistente a temperaturas
ambientes elevadas
.
Normalmente, numa pessoa não aclimatizada, a
produção de suor máxima é de 1 L/h. Na presença
de aclimatização, a produção máxima pode atingir
2-3 L/h, permitindo uma dissipação de calor 10
vezes superior à taxa basal de produção de calor e o
5
Perspiração – transpiração leve, insensível, que se faz à superfície da pele ou de uma mucosa.
6
Fibras nervosas colinérgicas: fibras que segregam acetilcolina mas que percorrem no interior de nervos
simpáticos juntamente com fibras adrenérgicas.
Figura 3.
Ilustração da organização funcional
de uma glândula sudorípara.
Ducto
Glândula
Absorção de iões de
Na
+
e Cl
-
Poro
Secreção
primária
N
ervo sim
p
ático
8
limiar de temperatura que desperta esta resposta é também inferior (isto é, inicia-se a temperaturas
ambientes menores). Este fenómeno é mediado por alterações intrínsecas das glândulas sudoríparas que
aumentam a sua capacidade de secreção
.
Para além do aumento da quantidade de suor produzida, as pessoas aclimatizadas possuem uma
capacidade de reabsorção iónica mais efectiva
. Uma pessoa não aclimatizada que sua profusamente,
pode perder 15-30 g de sal por dia; após 4-6 semanas de exposição, a perda salina reduz-se para 3-5 g/dia.
Este processo é mediado pela
Aldosterona
(hormona libertada pelas glândulas supra-renais).
Simultaneamente, ocorre aumento da sede com consequente maior ingestão de água, permitindo a
manutenção do volume plasmático apesar das perdas hídricas por evaporação, promovendo um melhor
controlo da pressão sanguínea, menor frequência cardíaca e manutenção do volume de ejecção cardíaco.
REGULAÇÃO DA TEMPERATURA CORPORAL
Para a manutenção de uma temperatura corporal estável, é essencial a integridade de todos os elementos
envolvidos na sua regulação, nomeadamente os sensores térmicos, o centro integrador e de comando e os
sistemas eferentes.
A)
SENSORES TÉRMICOS
Hipotálamo Anterior e Área Pré-óptica
Contêm neurónios sensíveis ao calor e neurónios sensíveis ao frio (estes em maior número). São
estimulados por variações da temperatura do sangue que perfunde essa área - rede vascular especializada
com função de barreira hematoencefálica limitada denominada
organum vasculosum laminae terminalis
.
A estimulação térmica destes neurónios traduz-se por um aumento da frequência dos impulsos emitidos
por segundo.
Receptores Cutâneos Térmicos
São de dois tipo: sensíveis ao frio (em maior número) ou sensíveis ao calor. A informação transmitida por
estes receptores é enriquecida pela informação proveniente de receptores da dor especificamente
estimulados por variações extremas da temperatura, o que explica que estas possam ser percebidas como
dor.
O grau de estimulação (impulsos/segundos) dos distintos receptores térmicos permite ao ser humano uma
gradação das sensações térmicas. A rapidez de instalação da temperatura também modula o grau de
estimulação, verificando-se que a persistência da exposição a uma determinada temperatura origina
progressivamente uma menor estimulação dos receptores térmicos – fenómeno de adaptação.
Os receptores térmicos localizam-se imediatamente abaixo da pele e distribuem-se em diferentes
percentagens consoante a área corporal (por exemplo, no caso dos receptores do frio – nos lábios 15-
9
25/cm
2
, nos dedos 3-5/cm
2
, no tórax <1/cm
2
). Os receptores do frio são consistentemente mais
numerosos, contudo a relação entre receptores frio/calor pode variar de 3:1 a 10:1. A existência de um
maior número de receptores sensíveis ao frio deve-se ao facto de, num meio ambiente neutro, a taxa
metabólica do ser humano produzir consistentemente mais calor do que é necessário para manter a
temperatura corporal central a 37ºC.
A informação dos receptores térmicos progride juntamente com a informação dos receptores dolorosos
cutâneos no interior de
fibras C não mielinizadas
(velocidade de transmissão 0.4 – 2m/s)
,
e de
fibras A
delta pequenas mielinizadas
(velocidade de transmissão 20m/s)
até à lamina superficial do corno dorsal
da medula espinal. Seguidamente cruzam a linha média, dirigindo-se então no sentido ascendente através
do tracto espinotalâmico contralateral até à formação reticular pontina e os núcleos posterolateral ou
ventrolateral do tálamo. A informação progride posteriormente para o hipotálamo.
Receptores Existentes em Orgãos Corporais Profundos
Presentes ao nível da medula espinal, vísceras abdominais, dentro e à volta dos grandes vasos situados no
tórax e abdómen, apresentando uma sensibilidade mais acentuada para diminuições da temperatura
corporal central.
B)
CENTRO INTEGRADOR
Os sinais provenientes de todos os tipos de receptores citados anteriormente são integrados ao nível do
hipotálamo
→
→
→
→
centro integrador
.
Após a integração das diferentes informações aferentes e comparação das mesmas com o ponto de
regulação térmica, são emitidas informações para diversos orgãos ou sistemas eferentes dependendo do
tipo de resposta a estimular – promoção do ganho ou da perda de calor.
C)
SISTEMAS EFERENTES
Sistema Nervoso Central
Ao nível do sistema nervoso central, mais propriamente no córtex cerebral, a percepção de variações da
temperatura leva a alterações comportamentais, isto é, respostas voluntárias, importantes na prevenção da
hipo ou hipertermia. Incluem o deslocamento para áreas mais quentes ou mais frias, remoção ou adição
de roupas, diminuição ou aumento da actividade, e aumento ou diminuição das áreas de pele exposta.
Sistema Nervoso Autónomo
È responsável pela regulação de múltiplos mecanismos essenciais para uma regulação eficiente da
temperatura, nomeadamente:
1.
Tónus vascular
(vasoconstrição
vs.
vasodilatação) –
Mecanismo Cutâneo de Radiação.
10
2.
Sudorese e frequência respiratória
(quanto mais elevada, maiores serão as perdas insensíveis
através dos pulmões; é um mecanismo de perda de calor pouco activo no ser humano contrariamente ao
que ocorre noutros animais) –
Mecanismo de Evaporação.
3.
Metabolismo celular.
O metabolismo celular pode ser uma forma de
termogénese química
7
, e
consiste na produção de energia sob a forma de calor através da fosforilação oxidativa eficiente ou
ineficiente (isto é, que não leva a formação de ATP sendo que toda a energia é libertada sob a forma de
calor) de nutrientes intracelulares.
4.
Lipólise da gordura castanha
(gordura termogénica). A gordura castanha pode ser considerada
uma fonte de
termogénese química
dada a existência no interior deste tipo de adipócitos de mitocôndrias
especializadas na oxidação ineficiente (isto é, que não leva a formação de ATP). Nos recém-nascidos,
onde ela existe em quantidade considerável (essencialmente ao nível do espaço inter-escapular), é a fonte
principal de calor. Nos adultos, dado existir em escassa quantidade (principalmente à volta dos orgãos
internos e Aorta), contribui somente para 10-15% da quantidade de calor produzida.
5.
Piloerecção.
É um importante mecanismo de preservação de calor nos animais e consiste na
contracção do músculo erector do pêlo presente nos folículos pilosos. A contracção em bloco daqueles
leva à erecção conjunta dos pêlos retendo junto à pele uma camada de ar mais ou menos constante
(camada isolante), o que permite uma menor perda de calor para o meio externo –
Mecanismo inibidor
da condução e convecção.
No ser humano, tem como equivalente a chamada “pele de galinha” (arrepio) mas não é um mecanismo
eficiente de conservação de calor.
Sistema Nervoso Somático
Comanda a
contracção muscular
(fonte importante de energia térmica -
termogénese muscular
). Pode
ser estimulado pelo córtex cerebral ou pode ser estimulado involuntariamente pelo hipotálamo.
Ao nível do hipotálamo posterior existe um centro motor primário que modula o grau de inibição da
actividade dos neurónios motores anteriores presentes na medula espinal.
A diminuição da inibição dos neurónios anteriores (promovida por diminuição da temperatura corporal
central abaixo do valor de regulação) leva numa fase inicial ao aumento do tónus muscular e
posteriormente, se mantida, ocorrem contracções repetitivas, isto é, tremores. A contracção rápida
involuntária da musculatura esquelética pode resultar num aumento de 4 vezes da produção de calor , de 2
vezes do consumo de oxigénio e de 6 vezes da taxa metabólica.
Hipófise
7
Termogénese química: pode provir da lipólise da gordura castanha ou branca, da glicogenólise,
principalmente à nível muscular e hepático, ou da hidrólise do ATP.
11
O hipotálamo tem capacidade de estimular determinadas substâncias que funcionam como hormonas,
uma das quais é chamada de
hormona neurosecretora libertadora de Tirotrofina
. Esta última é
libertada para as veias portais hipotalámicas sendo transportada até à hipófise onde promove a libertação
da
hormona libertadora da Tiroxina
(
TSH
). A TSH, por sua vez, ao passar para a corrente sanguínea
leva à libertação de
Tirotoxina
(
T
4
) pela tiróide.
A Tirotoxina estimula o metabolismo celular, pelo que se percebe que uma diminuição ou aumento da sua
produção origina, respectivamente, um aumento ou diminuição da energia térmica produzida.
Tabela 1 – Respostas hipotalámicas secundárias a alterações térmicas.
Vias eferentes Resposta
Frio Vias simpáticas periféricas
Libertação de hormonas neuroendocrinas
Estimulação da medula supra-renal
Estimulação do centro motor primário hipotalámico
Catecolaminas circulantes
Vasoconstrição
Aumento da taxa metabólica basal
Libertação de catecolaminas
8
Tremores
Lipólise da gordura castanha e branca
Calor Glândulas sudoríparas
Estimulação das vias parassimpáticas e inibição das
vias simpáticas periféricas
Inibição dos centros simpáticos centrais
Perda de calor por evaporação
Vasodilatação
Diminuição da taxa de metabolismo
basal
LIMITES EXTREMOS DE TEMPERATURA TOLERÁVEIS
A tolerância ao calor depende em grande parte do grau de humidade ambiente
. Quando o ambiente
é completamente seco, o mecanismo de evaporação é eficiente pelo que temperaturas externas de 65,5ºC
ou 150ºF podem ser toleradas durante várias horas. Se o ar apresentar uma saturação em H
2
O de 100%, a
temperatura corporal começa a subir quando a temperatura externa é superior 34,4ºC ou 94ºF.
Na presença de humidade intermédia, a temperatura corporal central máxima tolerada é de
aproximadamente 40ºC ou 104ºF, enquanto a temperatura mínima ronda os 35,3ºC ou 95,5ºF.
DISTÚRBIOS DA REGULAÇÃO TÉRMICA
8
Adrenalina, noradrenalina e dopamina
12
Numa situação normal, os sensores térmicos detectam variações da temperatura corporal central e cutânea
que transmitem ao centro integrador o qual através de múltiplas vias eferentes promove respostas que
visam a conservação ou a dissipação de calor. Anomalias da função ou danos estruturais a qualquer um
destes níveis podem resultar na perda da capacidade de regulação térmica.
I.
FEBRE
Definição
Elevação da temperatura corporal como resultado de uma alteração ao nível do centro termoregulador
localizado no hipotálamo –
alteração do ponto de regulação térmica
.
A elevação do ponto de regulação térmica desencadeia uma série de mecanismos destinados a aumentar a
temperatura corporal central (tremores, vasoconstrição, aumento do metabolismo celular, etc.) por forma
a atingir o novo equilíbrio.
As substâncias capazes de induzirem febre são denominadas de
pirogéneos,
podendo ser endógenos ou
exógenos.
1.
Pirogéneos endógenos
!
!
!
!"
"
"
"
São substâncias produzidas pelo hospedeiro.
!
!
!
!"
"
"
"
Geralmente chamadas de
citoquinas ou citocinas
.
!
!
!
!"
"
"
"
Para além de induzirem febre, têm
outros
tipos de
efeitos
como hematopoiéticos, inflamatórios e
de regulação do metabolismo celular.
!
!
!
!"
"
"
"
Até ao momento foram identificados
11 proteínas
distintas, sendo as mais importantes as
interleucinas 1
α
e 1
β
(
IL 1
α
α
α
α
e IL 1
β
β
β
β
), o factor de necrose tumoral
α
(
TNF
α
α
α
α
), o interferão
α
(
IFN
α
α
α
α
) e a interleucina 6 (
IL 6
).
!
!
!
!"
"
"
"
Tratam-se de polipeptídeos produzidos por uma grande variedade de células do hospedeiro,
sendo os
monócitos e os macrófagos
os mais importantes. Podem originar-se de células
neoplásicas, o que explica a existência de febre em associação a doenças malignas.
2.
Pirogéneos exógenos
!
!
!
!"
"
"
"
São substâncias
externas
ao hospedeiro.
!
!
!
!"
"
"
"
Podem tratar-se de:
−
−
−
−
Microorganismos.
−
−
−
−
Produtos de microorganismos.
15
b)
Golpe de calor não associado ao exercício físico
•
Atinge determinado tipo de indivíduos, nomeadamente:
−
−
−
−
idosos;
−
−
−
−
acamados;
−
−
−
−
pessoas sob medicação anticolinérgica, antiparkinsónica ou diurética;
−
−
−
−
pessoas presentes em ambientes pouco ventilados ou com ar condicionado.
•
Mecanismos etiológicos:
−
−
−
−
diminuição da capacidade de acomodação;
−
−
−
−
capacidade inadequada de aumentar o débito cardíaco em resposta ao calor;
−
−
−
−
incapacidade de mudar de ambiente;
−
−
−
−
compromisso dos mecanismos termoreguladores periféricos e/ou centrais, com origem
fisiológica ou secundária a fármacos.
B) Hipertermia Maligna
Síndrome miopático hipermetabólico
que geralmente ocorre em doentes com um defeito hereditário do
músculo esquelético, mais precisamente ao nível dos canais libertadores de Ca
++
presentes no retículo
sarcoplasmático.
Frequentemente precipitado pela administração de
agentes anestésicos halogenados ou agentes
neuromusculares despolarizantes
como a succinilcolina.
Caracteriza-se por um aumento da temperatura corporal central, contracções musculares vigorosas,
acidose respiratória e metabólica e arritmias ventriculares.
No esquema representado a seguir, verifica-se que, para além do termogénese decorrente do próprio
processo de contracção muscular (pontes cruzadas entre miosina e actina consumidoras de ATP), existe
um
mecanismo adicional de gasto energético com consequente libertação de energia térmica
, isto é,
o processo de
recaptação de
Ca
++
para o retículo sarcoplasmático.
16
Normalmente
Na Hipertermia Maligna
, a existência de um defeito ao nível dos canais libertadores de
Ca
++
resulta na
libertação anormal e inadequada de
Ca
++
(isto é, na ausência de um estímulo fisiológico) pelo retículo
sarcoplasmático, com consequente elevação da concentração de
Ca
++
mioplasmático. Esta elevação
desencadeia contracções musculares e activa o bombeamento activo de
Ca
++
para o retículo
sarcoplasmático, ambos processos termogénicos
, pelo que podem levar a um aumento rápido e
potencialmente letal da temperatura corporal.
Apesar do anomalia genética ser permanente, a actividade anormal dos canais de libertação de
Ca
++
não é
uma constante e ocorre apenas em presença de determinados estímulos com por exemplo a exposição a
determinados tipos de anestésicos.
III.
POIQUILOTERMIA
Regulação inadequada da temperatura corporal central que se caracteriza
por perda da capacidade
homeotérmica
( isto é, capacidade de manter a temperatura corporal dentro de um certo intervalo pré-
determinado apesar das variações térmicas do meio ambiente).
As pessoas que padecem desta anomalia não sentem qualquer desconforto com alterações térmicas e
desconhecem ter qualquer problema. Dependendo da temperatura ambiente, podem apresentar hipotermia
ou hipertermia potencialmente fatais.
Pode ser secundária nomeadamente à acção de determinadas drogas (ex., fenotiazinas) ou á lesão do
centro integrador hipotalámico.
Estímulo transmitido ao nível da placa
motora desencadeia um potencial de
ac
ç
ão ao lon
g
o do sarcolema.
Transmissão do potencial de acção através do sistema de
túbulos em T até ao interior das miofibrilas, mais
precisamente até ao retículo sarcoplasmático.
Activação dos canais libertadores de Ca
++
presentes no
retículo sarcoplasmático com consequente aumento da
concentração de Ca
++
mioplasmático.
Fixação do Ca
++
à Troponina C
Estimulação da contracção
muscular
O aumento da concentração de Ca
++
mioplasmático
activa as bombas de transporte activo de Ca
++
presentes
ao nível da membrana do retículo sarcoplasmático.
(para captação de 2 mole de Ca
++
é necessária a
hidrólise de 1 mole de ATP
)
A recaptação de Ca
++
para o
retículo sarcoplasmático induz
diminuição da concentração de Ca
++
com conse
q
uente relaxamento
Termogénese
Termogénese
17
IV.
HIPOTERMIA
Definição
:
Diminuição da temperatura corporal para valores inferiores a 35ºC (95ºF); classificada em
acidental (primária) ou secundária, consoante a ausência ou presença de disfunção do centro
termoregulador hipotalámico, respectivamente.
Quando a temperatura corporal desce abaixo de 30ºC, a capacidade do hipotálamo para regular a
temperatura é perdida; uma diminuição da capacidade de regulação já pode ser notada abaixo dos 35ºC.
Tabela 3 – Factores predisponentes para o aparecimento de hipotermia
Factores relacionados com a pessoa
Roupa inadequada
Roupa molhada
Extremos de idade (recém-nascido, idoso)
Alteração do estado de consciência ou mental
Debilidade e exaustão
Imobilidade
Drogas
9
Álcool
Anestésicos
Antitiroideus
Cannabis
Narcóticos
Sedativos/hipnóticos
Hipoglicemiantes
Estado de saúde
Alcoolismo
Queimaduras graves
Insuficiência cardíaca
Demência
Lesões do SNC
Secção transversal da medula espinal
Encefalopatia
Diabetes ou hipoglicemia
Malnutrição
Mixedema (hipotiroidismo)
Hipopituitarismo
Insuficiência supra-renal
Choque
A redução da temperatura corporal desencadeia por intermédio do hipotálamo mecanismos de produção
de calor nomeadamente a termogénese muscular e a libertação de catecolaminas (por via do SNA
simpático e das glândulas supra-renais).
Numa fase inicial, verifica-se uma resposta mediada por catecolaminas no sentido de contrapor a
hipotermia, a qual consiste no aumento da frequência cardíaca, do débito cardíaco e da pressão arterial
média. Posteriormente, esta resposta é suplantada pelos efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos da
hipotermia, o que culmina na diminuição do débito cardíaco e da perfusão tecidular.
9
Geralmente, trata-se de agentes com capacidade depressora do SNC ou inibidores do metabolismo
celular.
18
A hipotermia provoca um abrandamento da actividade enzimática (para cada diminuição de 10ºF ocorre
uma redução para metade da taxa de produção de calor), vasoconstrição periférica e ineficiência das vias
metabólicas dependentes de oxigénio (redução de 6% no consumo de O
2
para cada diminuição de 1ºC). A
vasoconstrição marcada pode originar queimaduras pelo frio essencialmente ao nível dos pavilhões
auriculares, do nariz e das extremidades das mãos e pés, o que pode finalizar em gangrena dessas áreas.
Inicialmente também pode existir taquipneia mas à medida que a hipotermia se torna mais pro
nunciada
ocorre depressão do centro respiratório com redução da ventilação alveolar e consequentemente da PaO
2
.
A diminuição da perfusão tecidular e do aporte de oxigénio leva ao sofrimento celular e pode progredir
para uma falência multiorgânica.
A nível cardíaco, a hipotermia traduz-se no electrocardiograma por bradicardia sinusal, lentificação da
velocidade de condução com bloqueio auriculo-ventricular, prolongamento do intervalo QT, alongamento
do complexo QRS e inversão da onda T. Quando a temperatura desce até 32-33ºC, aparece uma onda
extra na porção terminal do QRS que é denominada Onda de Osborne (elevação proeminente do ponto J).
TRATAMENTO
I.
SITUAÇÃO DE ELEVAÇÃO DA TEMPERATURA CORPORAL
Objectivo: Arrefecimento
A agressividade do tratamento depende da gravidade da situação clínica do doente
.
Pessoas que padecem de isquemia miocárdica, predispostas a crises convulsivas e mulheres grávidas
podem requerer mais precocemente tratamento antipirético dado que a elevação da temperatura corporal
central acresce o débito cardíaco e a necessidade de oxigénio, o risco de crises convulsivas e
pode ter um
efeito teratogénico.
Temperaturas que excedam 106ºF ou 41ºC são potencialmente letais e devem ser imediatamente tratadas.
Para a redução da temperatura corporal, dispomos de vários tipos de meios que são aqui enumerados.
a)
Arrefecimento Físico
•
Suspender qualquer actividade
•
Retirar peças de roupa
•
Aplicar toalhetes frios ou gelo
•
Emersão em água fria
19
•
Medidas invasivas (administração de soro fisiológico frio; lavagem gástrica, colónica e/ou
peritoneal com soro fisiológico frio, etc.)
b)
Agentes Anti-inflamatórios Não Esteróides
•
Mecanismo:
inibição da cicloxigénase
com consequente bloqueio da síntese de
prostaglandinas ao nível do endotélio das vasos que irrigam o do hipotálamo.
•
Não inibem a produção de pirogéneos endógenos, nem possuem efeito poiquilotérmico visto
que não diminuem a temperatura corporal abaixo do seu ponto de regulação normal.
c)
Paracetamol (ou Acetaminofeno)
•
Fraco inibidor da cicloxigénase ao nível dos tecidos periféricos, mas ao nível do
SNC
, o
paracetamol é
oxidado e convertido num inibidor activo da cicloxigénase
.
d)
Corticosteróides
•
Impedem directamente a produção de pirogéneos endógenos
pelas células imunológicas
(bloqueiam a transcrição de RNAm para a IL1 e o TNF
α
, a translação dessas mesmas
citoquinas e ao inibirem a fosfolípase A
2
impedem a síntese de PGE
2
).
•
São potentes antipiréticos, particularmente em situações de carácter inflamatório ou de
activação do sistema imunológico.
e)
Medidas específicas
•
Suspender qualquer fármaco
que possa estar implicado no aumento da temperatura corporal.
•
No caso da Hipertermia Maligna, existe um fármaco específico para reverter a situação, o
Dantroleno
, trata-se de um relaxante do músculo esquelético que contrapõe os níveis elevados
de
Ca
++
intracelular.
II.
SITUAÇÃO DE HIPOTERMIA
As medidas terapêuticas num caso de hipotermia visam evitar a perda de calor, aumentar a temperatura
corporal central para além de antecipar e prevenir possíveis complicações.
1.
Evitar perda adicional de calor
−
−
−
−
Remoção da pessoa da exposição ao frio.
−
−
−
−
Substituição da roupa molhada por seca.
20
2.
Aumentar a temperatura corporal central
−
−
−
−
Aplicação de cobertas ou equivalente.
−
−
−
−
Medidas invasivas: aplicação de oxigénio aquecido e humedecido através de uma máscara ou
tubo endotraqueal, a administração de um soro fisiológico ou glicosado aquecidos, lavagem
gástrica, colónica e/ou peritoneal com soro fisiológico aquecido, etc.
3.
Atitudes de prevenção
−
−
−
−
Evitar fármacos com toxicidade hepática, cardíaca e renal.
−
−
−
−
Monitorização electrocardiográfica para a detecção precoce de arritmias cardíacas.
−
−
−
−
Estar atento a possíveis infecções secundárias.
Na presença de factores predisponentes identificados, deve-se dirigir a terapêutica para a correcção dos
mesmos (ex., administrar hormonas de substituição no caso de hipotiroidismo e hipopituitarismo;
suspensão de fármacos lesivos).
B
IBLIOGRAFIA
1.
Body temperature, temperature regulation, and fever. In: Guyton, editor.
Textbook of Medical
Physiology
. W.B. Saunders Company, 9
th
edition: 822-833.
2.
Beutler B, Beutler SM. The pathogenesis of fever. In: Goldman, Bennett and all, editors.
Cecil
textbook of medicine
. W.B. Saunders Company, 21
st
edition: 1565-1567.
3.
Yoder E. Disorders due to heat and cold. In: Goldman, Bennett and all, editors.
Cecil textbook of
medicine
. W.B. Saunders Company, 21
st
edition: 512-515.
4.
Gelfand JÁ, Dinarello CA. Fever and hyperthermia. In: Fauci, Braunwald and all, editors.
Harrison’s. Principles of internal medicine
. Mc. Graw Hill, 14
th
edition: 84-89.
Nenhum comentário:
Postar um comentário